sábado, 9 de junho de 2012

A vida em pedra bruta.


'' Do povo oprimido nas filas, nas vilas, favelas
Da força da grana que ergue e destrói coisas belas
Da feia fumaça que sobe, apagando as estrelas
Eu vejo surgir teus poetas de campos, espaços
Tuas oficinas de florestas, teus deuses da chuva
Pan-Américas de Áfricas utópicas, túmulo do samba
Mais possível novo quilombo de Zumbi''

Caetano Veloso


Dói estar em São Paulo. Pesa. Mesmo nos dias em que o esteriótipo de cidade cinza não aparece. Mesmo quando há sol, é dolorido estar em São Paulo.

Descobri que era apaixonada por São Paulo quando li o título, apenas o título, de Paulicéia Desvairada, do Mário de Andrade. Eu não sabia do que se tratava ainda, mas sempre fui apaixonada pela loucura. Ainda mais se fosse literária.
O título me despertou curiosidade pelo livro e pela cidade. 
Essa São Paulo que atrai todo tipo de gente e que cria todo tipo de gente. Uma mãe desnaturada que está sempre de braços abertos para seus filhos, ainda que não possa criá-los. Se na criação de Roma, a loba alimentou Rômulo e Remo, em São Paulo não houve loba. Houve lobo. Lobos. Lobos, cachorros-do mato e serpentes que ainda rondam trajando terno e gravata, prontos pro bote.

São Paulo atrai e trai. Andando pelo ruas, é possível ver sonhos dormindo nas calçadas.
Dói. São Paulo dói. E pulsa.

A poesia de São Paulo não pode ser percebida por aqueles que odeiam o trânsito, odeiam a poluição, odeiam a pressa e resumem a cidade a isso. Esquecem-se de que a gigante incompreendida é feita de pessoas com histórias diversas, que amam e sonham como os cariocas, baianos, paraenses, nordestinos, mineiros, caipiras...
Ama e sonha como todos eles porque é feita de todos eles.

São Paulo é o Brasil em pedra bruta. Ás vezes não há beleza nas imagens do noticiário das 6. Não há beleza nas enchentes, nos crimes, no frio que sentem os desabrigados.  Não há beleza na morte indigna.

Há beleza nessa cidade que pulsa, que modifica vidas, que inspira. Há muita beleza nessa cidade feita de pessoas que trabalham muito. Há beleza no grito que ecoa do alto dos prédios, das estações, das periferias, dos muros, do cotidiano sufocante. Há beleza na cidade que não dorme e não se cala.

São Paulo é a vida que pulsa, que fere, que é bonita, que cura, que canta, ri e chora as próprias dores. São Paulo é a vida em pedra bruta. 




Luana H.

sábado, 31 de março de 2012

Encantada.

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'Toda aula devia começar assim: LUZ CÂMERA AÇÃO. SONHANDO.''
Sérgio Vaz



Não sei se nasci professora. Não sei se sonhava em ter tantos papéis para corrigir, tantos livros para ler e tantas histórias para conhecer. Não sei se eu nasci com essa utopia no coração.

Lembro-me que, quando pequena, aliás, desde pequena, falava muito. Gostava muito de argumentar. Não passei pela fase de perguntar os porquês das coisas, pois eu mesma dava conta de responder. Ou de imaginar, pelo menos. Não sei se eu falava muito. Acho que eu pensava muito, pois, dentro de mim, o barulho era constante.

Queria ser advogada, disso eu me lembro. Eu não sabia bem o que isso significava, mas eu queria. Achava muito legal ver na TV que pessoas boas podiam ser defendidas por advogados. Acho que eu desisti quando eu entendi que pessoas más também contratam advogados.

Quando comecei a me apaixonar pelos livros (quando eu comecei a ler), queria ser escritora. Dobrava folhas sulfite, fazia algumas ilustrações e escrevia meus livrinhos. É realmente uma pena eles não terem sido publicados. Ou guardados pela minha mãe.

Desisti de pensar no que eu queria ser. Só sabia que eu gostava muito de falar (ou seria de pensar?) e de histórias. E histórias de pessoas! Não gostava de bicho não. Tinha medo dessas histórias que envolviam dinossauros ou bichos falantes. Gostava era de gente.

Gostava muito das músicas que a ‘’gente grande’’ ouvia. Zé Ramalho, Milton Nascimento, Djavan, Elis e todos aqueles da jovem guarda que eu ouvia minha mãe cantarolar. Aliás, nasci quase no dia do especial do Roberto Carlos de 1991. Ainda bem que deu tempo de assistir.

Os livros sempre foram meus conhecidos. Eu achava o máximo poder viver tantas histórias e depois, quando estivesse cansada, voltar para a minha vida. Ás vezes eu queria ficar nos livros, como quando li a coleção dOs Karas, do Pedro Bandeira. Magrí era uma menina tão diferente de mim e tinha tantos amigos legais que eu me cansava de ser eu mesma e queria ser ela.

Não me lembro de um dia ter desejado ser princesa. Gostava das histórias, mas não achava a menor graça nisso de ficar presa em torre, engasgada com maçã e longe dos pais. Eu sempre pensava: E por que a princesa não falou alguma coisa bem mal-malcriada para a bruxa? Por que não gritou, não correu, não fez um discurso cheio de moral para a bruxa?

Enfim. Cresci e descobri que queria ser jornalista. Aos 14 anos, tinha certeza. Sonhava em ver meus textos publicados, expressando meus pensamentos, opiniões, ser livre para contar o que acontecia... Ingenuidade pura. Não seria nada disso. Faria por dinheiro, pela opinião que pagasse mais. Teria a liberdade do tamanho da corda que o patrão permitisse. Não. Meu pensamento não iria suportar essa amarra.

Parti para o teatro. Expressei sentimentos, testei meus limites, descobri coisas dentro de mim que eu nem imaginava que existiam. Aprendi a dar a cara a tapa e esperar o tapa. Ou o beijo. Dei o tapa e dei o beijo. Mas ainda não era quem eu queria ser.

Não sei como, não sei quando, fiquei encantada. Fiquei encantada e queria também que outros conhecessem esse encantamento. Esse encantamento que faz com que se possa viver mil vidas, mil sentimentos e nunca mais ser o mesmo ao fechar um livro. O encantamento que faz com que a gramática, tão temida, ensine a brincar de dizer ‘’ a gente também sabemos’’ ser gente. Encantamento que permite ler não só os textos, mas as pessoas. Ler cada história escondida no dia-a-dia corrido. Um encantamento tão forte que faz querer dizer tudo que o coração manda, que faz querer braços grandes o suficientes para abraçar o mundo e fazer cafuné nas estrelas e ter um coração desenhado por criança.

É isso. Decidi ser professora quando fiquei encantada.


Luana H.